“Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada mas dizei uma palavra e serei salvo” (Lit. Missa)
Para abordarmos a espiritualidade inerente a este termo, não poderemos obviamente deixar de citar sua origem e vínculo com o povo, para quem, a princípio, Deus fez surgir a Páscoa: o povo judeu, e que Deus fê-la estender-se a todo gênero humano que nEle crer.
O aprofundamento bíblico mais atualizado de nossos dias vem a dar, como marco inicial de suas comemorações para os judeus, a data incerta da saída do povo hebreu do Egito quando a festa realmente passa a ser instituída (cf Ex 12).
É certo que alguns estudiosos venham a mencionar a possibilidade de conhecimento da páscoa para o povo judeu, anterior à institucionalização, sendo justamente a festa que Moisés pedira ao faraó para celebrar com o seu povo no deserto e que lhe fora negado. Ressaltamos que o pedido é feito pOr Moisés e Aarão, mas é o próprio Iahweh quem fala (cf. Ex 5,1). Eles, Moisés e Aarão, passam a ser instrumentos do Único que realmente poderia libertar o povo, que uma vez livre, poderia cultuar a Iahweh.
Até então fizemos questão de não mencionarmos o que significa a palavra páscoa, para que, ficando clara a sua origem junto ao povo hebreu, pudéssemos compreender melhor o que o termo nos quer dizer. Primeiro porque a significação do termo na língua que lhe dá origem, o hebraico, é incerta. No seu uso tanto podemos designar a festa, como também a refeição, ápice da festa, como também o próprio cordeiro, imolado na ocasião; embora esse último uso do termo seja mais difundido entre o povo judeu, os três são válidos. Segundo, porque na maioria das vezes ouvimos apenas ser mencionadas definições como passagem, que mesmo tendo algum sentido, não dá realce todo especial Àquele que possui máxima importância no termo páscoa, o próprio Deus-Iahweh. É Ele mesmo que faz Seu povo escolhido fazer a passagem da escravidão para a liberdade. O povo não vai só, Deus vai à sua frente. O povo não faz a sua passagem - é Iahweh quem faz a passagem do povo da escravidão para a liberdade. Não queremos, em hipótese nenhuma, com essa afirmação dizer que Deus fizera tudo sozinho, pelo contrário, dizemos que Deus fizera de Seu povo co-participante e co-responsável também da libertação obtida. O Senhor, em nenhuma ocasião, transforma Seu povo em meros atores passivos de algo que Ele queira realizar em seu meio.
É necessário que frisemos aqui o ritual da páscoa, pois assim melhor entenderemos o que o Senhor Jesus fez na Última Ceia e qual a significação desta ceia acontecer antecipadamente ao dia da Páscoa. O banquete de Páscoa é o centro da festa em que um cordeiro de um ano, não trazendo em si nenhuma mancha, é comido. Lembramos que aquilo que não fosse comido do cordeiro deveria ser queimado antes de o sol nascer. Isso faz com que entendamos que a festa vem a realizar-se à noite e como talo cordeiro deveria ser assado inteiro para ser servido, pois estavam com pressa. A postura de todos os que participavam do rito também deveria ser específica para a ocasião: todos deveriam comer a Páscoa (o cordeiro) vestidos para viajar, e de pé. Os que não tinham ainda sido circuncidados não poderiam comer a Páscoa (cf Ex 12,43-49).
A temática principal da festa de Páscoa é o reconhecimento da mão do Senhor como aquela que os liberta da escravidão: o saber que somente Iahweh, escutando os clamores do povo, desce para libertá-lo.
A liberdade obtida pelo povo de Deus não é valorizada posteriormente por esse mesmo povo, porque pensava ele que apenas era necessário uma libertação mesclada na exterioridade: o faraó deixará de ser aquele que tem o domínio sobre nós - pensava talvez o povo - agora seremos. nós próprios a nos conduzir. E foi isso que fizeram: caíram numa escravidão ainda maior, a escravidão de si próprios. Deus os queria livres integralmente, mas as sucessivas idolatrias que o povo cometera ao longo do caminho diziam o contrário. O autor sagrado mostra nitidamente as infidelidades do povo e a fidelidade paciente de Deus, que ouve as súplicas intercessórias de Moisés em favor deles, aqueles que eram o povo infiel.
Daí agora lembramos de maneira marcante a figura de Jesus que ceia com os apóstolos, antecipando a Páscoa com eles, porque a partir dEle, Jesus, a Páscoa seria agora entronizada de maneira diferente na vida daqueles que estiveram com Ele, creram e viessem a crer nEle. O próprio Jesus é quem é o cordeiro oblativo agora. O sacrifício de animais não é mais necessário, pois o próprio Filho se oferece ao Pai, para que assim, pagando o preço de nosso resgate pelo precioso sangue que derramara no madeiro, pudéssemos realmente ter acesso ao coração do Pai.
O vislumbrar do Senhor Jesus na cruz é de essencial importância para nós cristãos, como também importante é a manutenção do vínculo entre a morte e a ressurreição de Jesus. É essa a pregação da Igreja primitiva a ecoar na evangelização de hoje: Jesus morto e ressuscitado; pois se não tivesse ressuscitado, nada de novo teria feito, uma vez que o sacrifício deveria continuar a ser repetido várias vezes de uma maneira cruenta, isto é, com o derramamento de sangue. Jesus vem fazer a libertação do interior do homem, do mesmo interior que o homem deixara escravizar por si mesmo ao longo da história. Jesus também transcende à terra, isto é, Ele faz o povo compreender, por Sua morte e Ressurreição, que a terra prometida por Deus não é aqui, mas começa aqui. O sofrimento que Jesus padece não é masoquismo de sua parte, mas uma entrega total, incondicional, consciente e amorosa de si a Deus por nós, enfrentando todas as dificuldades e conseqüências dessa oblação. Olhemos pois, como dizíamos, para Jesus erguido na cruz, e tenhamos a certeza de que a morte do Senhor é o grande anúncio jubiloso que se encerra em nossa garganta e lábios de ser essa morte não apenas morte em si mesma, mas pré-anúncio da ressurreição.
Que o Senhor Jesus ressuscitado e ressuscitante, alimente sempre no nosso ser a certeza de estar conosco sempre o Senhor da Vida, Páscoa renovada no amor que se dá a cada um de nós, não por nossos méritos, mas unicamente por graça de Deus.
Padre Fabrício, Comunidade Nova Jerusalém
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