13 dezembro 2010

A Aids e o preservativo: Uma questão de honestidade científica e de Moral natural

 

A Aids e o Preservativo*
Por Monsenhor Michel Schooyans, PhD, PhLD, STD

Traduzido do espanhol por Vladimir Lachance

A qualificação moral do uso do preservativo é um problema de honestidade científica e de moral natural. A Igreja tem não somente o direito, mas também o dever de pronunciar-se sobre este tema.

É bem conhecido que algumas pessoas contraíram a AIDS sem ter tido a menor responsabilidade moral. Esta enfermidade pode ter sido transmitida por causa de uma transfusão de sangue, um erro médico ou devido a outros contatos acidentais. Há também membros das equipes médicas que tratam dos soropositivos e que contraem o mal ao dedicar-se a estes [enfermos].
Estes não são os casos que examinaremos aqui. Nos ocuparemos das declarações formuladas nestes últimos anos e emitidas por diversas personalidades conhecidas no mundo acadêmico e/ou eclesiástico, na maioria dos casos moralistas e padres. Os chamaremos ‘dignitários’. Nos absteremos de citá-los pelo nome para evitar personalizar o debate e para concentrar nossa atenção sobre a discussão moral.




Desconcerto e confusão

Referindo-se ao uso do preservativo em caso de AIDS, estas declarações têm semeado uma confusão profunda na opinião pública e na Igreja. Elas costumam vir, com frequência, acompanhadas de palavras surpreendentes relativas à pessoa e à função do Papa, como à autoridade da Igreja. Se encontram também seguidas pelos habituais cadernos de queixas no que diz respeito à moral sexual, ao celibato, à homossexualidade, à ordenação das mulheres, à comunhão dada aos divorciados “recasados” e aos que realizam aborto, etc. Enfim, uma oportunidade como outras para globalizar os problemas…
Estes dignitários têm-se expressado com indubitável complacência dos meios de comunicação voltados ao grande público. Ali se expressaram a favor do uso do preservativo no caso de risco de contaminação do parceiro saudável por AIDS. A Igreja deveria, segundo eles, mudar sua posição a este respeito.
Estas declarações provocam muita confusão na opinião pública; fazem os fiéis duvidar, dividem os sacerdotes, debilitam o episcopado, desacreditam o corpo cardinalício, corroem o magistério da Igreja e enfrentam diretamente ao Santo Padre. Outras [declarações], no presente retiradas ou mortas, haviam já causado revolta nestes domínios.
Sem embargo, hoje estas declarações têm causado consternação porque as pessoas esperam maior prudência, rigor moral, teológico – e também no que diz respeito à disciplina – da parte destes dignitários. Influenciados pelas ideias da moda em alguns meios, estes dignitários se esforçam em “justificar” o uso do preservativo armando uma argumentação sustentada na ideia do mal menor ou do duplo efeito.
Um destes dignitários até chegou a fazer do uso do preservativo um dever moral se realmente se quer evitar transgredir ao V mandamento. Com efeito, segundo seu argumento, se uma pessoa infectada com AIDS rechaça praticar a abstinência, deve proteger a sua parceira, e o único meio de fazê-lo, neste caso, é recorrer ao preservativo.
Não obstante, semelhantes declarações sem dúvida causam perplexidade e revelam um conhecimento incompleto e parcial da moral mais natural e em particular da moral cristã. Sua maneira de apresentar as coisas é, no mínimo, surpreendente.
Um problema de moral natural
Palavras reconfortantes, mas mentirosas
A argumentação dos dignitários a respeito do preservativo é de um simplismo inesperado, e com muito gosto recomendaríamos aos interessados que tomassem conhecimento de estudos científicos e clínicos que têm grande rigor antes de repetir continuamente e acreditar nas histórias desmentidas há tempos por qualquer associação de consumidores.
Como silenciar que o efeito de contenção que o preservativo parece ter é amplamente ilusório? É amplamente ilusório na medida em que o preservativo é mecanicamente frágil, em que incita à multiplicação de parceiros, em que favorece a variedade das experiências sexuais e em que, por todas estas razões, aumenta os riscos em lugar de diminuí-los.
A única prevenção realmente eficaz deve ser alcançada pela renúncia aos comportamentos de risco e na fidelidade. Deste ponto de vista, a qualificação moral do uso do preservativo é um problema de honestidade científica e de moral natural. A Igreja tem não somente o direito, mas também o dever de pronunciar-se sobre este tema.
“A falha é a morte segura”
Agora bem, as intervenções dos dignitários evitam mencionar estudos recentes de um valor científico incontestável, como o do Dr. Jacques Suaudeau. À incapacidade de estarem informados dos estudos recentes, os autores poderiam ao menos ter em conta as advertências anteriores, provindas elas também das mais altas autoridades científicas. Em 1996, por exemplo, se lê no informe do professor Henri Lestradet, da Academia Nacional de Medicina (Paris):
“Convém [...] destacar que o preservativo foi inicialmente preconizado como meio anticonceptivo. Agora bem, a taxa de fracasso varia na opinião geral entre 5 a 12% por parceira e por ano de utilização. A priori, [...] não se entende como o HIV, quinhentas vezes menos volumoso que um espermatozoide, poderia ter uma taxa de fracasso inferior. Não obstante, há uma enorme diferença entre estas duas situações. Com efeito, quando como meio anticonceptivo o preservativo não é perfeitamente eficaz, o fracasso tem como consequência o desenvolvimento de uma nova vida; enquanto que com o HIV, o fracasso é a morte segura.”
Considerando então os casos de soropositivos, o mesmo informe assinala que:
“A única atitude responsável da parte de um homem soropositivo é na realidade abster-se de toda relação sexual, protegida ou não. [...] Se então se projeta uma relação estável entre os parceiros, as recomendações deveriam ser as seguintes: fazer, cada um, 1 teste de diagnóstico precoce, repeti-lo três meses mais tarde e neste intervalo abster-se de toda relação sexual (com ou sem preservativo). Logo, privilegiar a fidelidade recíproca.”

Os dignitários, autores das declarações que analisamos, fariam bem em prestar atenção a uma conclusão dramática do estudo médico que citamos:
“A afirmação mil vezes proclamada (pelos responsáveis de saúde, pelo Conselho Superior da AIDS e pelas associações de luta contra a Aids), da segurança total e em todas as circunstancias pelo preservativo, está, sem sombra de dúvida, na origem de muitas contaminações das quais se negam a encontrar a causa.”
Têm sido executadas campanhas internacionais nas sociedades “expostas” a AIDS, para inundá-las de preservativos. Autoridades religiosas foram convidadas para dar seu eminente patrocínio. Agora, apesar destas campanhas, e provavelmente por causa destas campanhas, são regularmente observados progressos da pandemia.

Em julho de 2004, uma das maiores autoridades mundiais em matéria de AIDS, o médico belga Jean-Louis Lamboray, renunciou ao Programa das Nações Unidas contra a AIDS (ONUSIDA). Justificava sua demissão devido ao “fracasso das políticas para frear a propagação desta enfermidade.” Estas políticas têm fracassado porque o “ONUSIDA esqueceu que as verdadeiras medidas preventivas se decidem nas casas das pessoas e não nos escritórios dos experts”. Antes de lançar declarações definitivas, os dignitários poderiam recordar o que declarava um médico muito midiático e pouco suspeito de simpatia pelas posições da Igreja. Aqui está o que escrevia em 1989 o falecido professor Léon Schwartzenberg:
“[...] Sem dúvida, serão principalmente os jovens os propagadores [da Aids]; agora veja, eles não são absolutamente conscientes do drama da Aids, que para eles é uma enfermidade de velhos. Eles são confirmados nesta convicção pela atitude da classe política, muito mais velha que eles e que organiza uma propaganda débil: a publicidade oficial em favor dos preservativos parece ser feita por gente que não os utiliza jamais, e direcionada para gente que não quer utilizá-los”.
Os ouvintes, leitores e telespectadores não podem crer tão ingenuamente nas declarações imprudentes que lhes dirigem os dignitários, sem arriscar-se a, como eles, ver-se acusados cedo ou tarde de estar “na origem de grande número de contaminações”.
Um problema de moral cristã
Ademais, é enganoso afirmar que a Igreja não tem ensinamento oficial sobre a AIDS e o preservativo. Mesmo se o Papa evita sistematicamente utilizar esta última palavra, os problemas morais suscitados pelo uso do preservativo são abordados em todos os grandes ensinamentos relativos às relações conjugais e aos fins do matrimônio. Quando se trata a AIDS e o preservativo à luz da moral católica, há que se recordar e ter presente que esta [moral] comporta pontos essenciais: a união carnal deve ser feita no contexto do matrimônio monogâmico entre homem e mulher; a fidelidade conjugal é o melhor resguardo contra as enfermidades sexualmente transmissíveis e a AIDS; a união conjugal deve estar aberta à vida, ao que deve ser adicionado o respeito à vida do outro.
Cônjuges ou parceiros?
Resulta que a Igreja não tem que pregar uma moral da parceria sexual. Ela deve ensinar e ensina uma moral conjugal e familiar. Ela se dirige aos esposos, aos parceiros unidos sacramentalmente no matrimônio, que é monogâmico e heterossexual. As declarações divulgadas a propósito do preservativo pelos dignitários concernem aos parceiros, os quais mantêm relações pré ou extramatrimoniais, momentâneas ou contínuas, heterossexuais, homossexuais, lésbicas, sodomíticas, etc.
Não se vê porque a Igreja e, menos ainda, qualquer dos dignitários investidos de autoridade magisterial, deveriam, sob o risco de escandalizar, vir em auxílio da vadiagem sexual e administrar os pecados daqueles que, na maioria dos casos, burlam completamente, na prática e com frequência na teoria, a moral católica. “Pecai, irmãos, mas de maneira segura!” Em lugar do “Safe Sex” (sexo seguro), eis aqui o “Safe Sin” (pecado seguro)!
A Igreja e seus dignitários não têm – em absoluto – por missão explicar como fazer para que alguém peque confortavelmente. Abusariam de sua autoridade se então se pusessem a prodigalizar conselhos sobre a maneira de praticar um divórcio, já que a Igreja considera que o divórcio é sempre mal. É mesmo endurecer o pecador, isto de ensinar-lhe como ele deveria atuar para escapar das consequências indesejáveis de seu pecado.
De onde a pergunta: é admissível que estes dignitários, normalmente guardiões da doutrina, ocultem as exigências da moral natural e da moral evangélica, e que não lancem mais um chamado para a mudança de comportamento?
É inadmissível e irresponsável que estes dignitários deem sua aprovação à ideia do sexo seguro, utilizada para dar tranquilidade aos usuários do preservativo, enquanto que se sabe que esta expressão é mentirosa e conduz ao abismo. Estes nobres dignitários deveriam, portanto, perguntar-se se eles não incitam somente a desprezar o VI mandamento de Deus, mas também a escarnecer o V mandamento, “Não matarás”.
A falsa segurança oferecida pelo preservativo, longe de reduzir os riscos de contaminação, os multiplica. A censura de não honrar o V mandamento se volta contra os mesmos que a dirigiam aos parceiros que não fazem uso do preservativo1.
A argumentação invocada no intento de “justificar” o uso “profilático” do preservativo é assim reduzida a nada, tanto com relação à moral natural como à moral cristã.

Provavelmente teria sido mais simples dizer que se os cônjuges se amam de verdade, e se um deles é atacado pela cólera, pela peste bubônica, ou pela tuberculose pulmonar, se absteriam de contatos para evitar o contágio.
Objetivo: uma nova Revolução Cultural
Um erro de método
No início desta análise, assinalamos que os dignitários que preconizam o preservativo associam frequentemente ao seu discurso outras causas além daquelas das “parcerias” sexuais públicas e organizadas. De fato, utilizam (estas causas) em especial neste caso, para questionar todo o ensinamento da Igreja sobre a sexualidade humana, sobre o matrimônio – logo sobre a família -, também sobre a sociedade, finalmente sobre a Igreja mesmo. É o que explica em parte a quase total ausência de interesse destes dignitários pelas conclusões científicas e os dados da moral natural. Estas são, sem embargo, as conclusões e os dados que os dignitários deveriam levar em conta no momento de fazer considerações sobre a moral cristã. Eles querem mesmo revolucionar a dogmática cristã, pois se reservam ao direito de apelar a suas próprias opiniões para convocar toda a instituição eclesial a uma reforma suscetível de endossar a moral e a dogmática [do modo que eles a concebem]. Intentam assim participar, em seu âmbito, desta nova revolução cultural.
Sem embargo, estes dignitários cometeram – desde o ponto de partida – um erro de método, ao desprezar dados essenciais do problema que pretendem tratar, e [por isto] se colocaram num caminho escorregadio. A partir de premissas falsas só se pode chegar a conclusões falsas. É fácil ver para onde conduzem as considerações erráticas dos dignitários implicados. Podemos resumi-las em três sofismas desmontáveis por qualquer estudante secundário.
Três Sofismas
PRIMEIRO SOFISMA
Maior: Não utilizar o preservativo favorece a Aids.
Menor: Favorecer a Aids é favorecer a morte.
Conclusão: Portanto, não utilizar o preservativo é favorecer a morte.
Comentário: Este raciocínio retorcido se baseia na idéia de que proteger-se é utilizar o preservativo. Os parceiros sexuais podem ser vários. A fidelidade nem sequer é considerada. Supostos irresistíveis os impulsos sexuais e impossível a fidelidade conjugal, o único meio para não contrair a Aids é fazer uso do preservativo.

SEGUNDO SOFISMA
Maior: O preservativo é a única proteção contra a Aids.
Menor: A Igreja é contra o preservativo.
Conclusão: Portanto, a Igreja favorece a Aids.
Comentário: Este pseudo-silogismo se baseia numa asserção abusiva enunciada na Maior, a saber, que o preservativo é a única proteção contra a Aids. Estamos em presença de uma petição de princípio1. Aqui se trata de um raciocínio falaz, onde a primeira premissa sendo apresentada como incontestável, escusado será dizer que o resto também é. Se afirma como verdadeiro o que deveria ser demonstrado, a saber que o preservativo é a única proteção contra a Aids.

UM CASO DE PSEUDO-POLILOGISMO
Aqui finalmente um exemplo de pseudo-polilogismo, um artifício sofístico, o qual os dignitários poderiam estudar:
Maior: A Igreja é contra o preservativo;
Menor: O preservativo evita a gravidez indesejada;
Conclusão/Maior: Portanto, a Igreja favorece a gravidez indesejada;
Menor: A gravidez indesejada se evita pelo aborto;
Conclusão: Logo, a Igreja favorece o aborto.
Comentário: Em resumo, a renovação da moral e da eclesiologia cristã não tem nada a esperar da exploração pérfida dos enfermos e de sua morte.

***
* Tudo aquilo que está entre [colchetes] foi introduzido pelo tradutor para melhor compreensão em língua portuguesa.
1 – O autor se refere a um dos dignitários mencionados no início do texto que defende a tese de que o uso do preservativo é um dever moral se realmente se quer evitar transgredir ao V mandamento nos casos de AIDS.
2 – Petição de Princípio: Do latim “petitio principii”; é uma falácia que ocorre quando a proposição a ser provada (conclusão) se inclui implícita ou explicitamente entre as premissas.

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