11 maio 2009

INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO

P E N T A T E U C O
INTRODUÇÃO
Pentateuco é o nome dado ao conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia - Palavra de Deus. Os judeus chamam o Pentateuco de TORAH, palavra hebraica que traduzida para o Português significa "Lei". Esta palavra dá idéia que o Pentateuco é um apanhado de leis, pelas quais os judeus se deixavam conduzir. No entanto, no Pentateuco, na verdade, se encontra narrações de histórias vividas pelos judeus. Quando Moisés perguntou a Deus pelo seu Nome, Ele respondeu: "Eu Sou Aquele que Age", isto é, pela tua história, pelo que Eu Serei contigo e com o teu povo, descobrirás quem Eu Sou.
À primeira vista, esta obra nos parece homogênea, isto é, uma só. Entretanto, ela foi escrita por vários autores, é composta de diversas camadas escritas em épocas diferentes.
Apesar da História de Israel ter começado bem antes, vamos tomar como ponto de partida o Século X, porque foi a partir dele que se escreveram as primeiras unidades literárias e também porque foi nele que Isreal começou a ler suas histórias.
Há uma hipótese documentária que diz que a Torah é uma obra composta em cinco partes, baseada em quatro documentos erigidos em épocas diferentes. Esta hipótese é a mais aceita pelos Teólogos e pelos estudiosos da Bíblia. Ela fala que a Torah foi escrita por quatro grupos com Tradições diferentes:
a) tradição Javista (J);
b) tradição Eloísta (E);
c) tradição Sacerdotal (P);
d) tradição Deuteronomista (D).
O documento Javista foi escrito no final do Século X e narra toda a história do Rei Salomão e da Corte de Jerusalém.
O documento Eloísta já foi escrito no final do Século IX ou meados do Século VIII, narra os acontecimentos dos meios proféticos do Reino do Norte, onde encontramos Elias, Eliseu, Oséias...
O documento Sacerdotal narra todos os acontecimentos e as preocupações dos meios sacerdotais saídos de Jerusalém. Foi composto também durante o Exílio da Babilônia, mas por volra do Século VI.
Enfim, o documento Deuteronomista retrata a história de Moisés e a ligação do povo à Lei de Deus. Este documento foi composto no Reino do Norte e doi somente no reinado do Rei Ezequias que sua redação terminou. A edição final se deu no Exílio da Babilônia, entre os anos 587 e 538 aC, portanto, no Século V.
Para que estes cinco livros, de quatro tradições, pudessem se tornar uma única obra literária, foi preciso fazer algumas fusões.
A fusão J-E aconteceu por volta do ano 700aC, no reinado do Rei Ezequias. Estes dois documentos são narrações de histórias paralelas, de modo que é possível fazer uma sinopse entre ambos.
O documento D tem muito em comum com a tradição E.
Já no Século IV, houve a fusão J-E com P.
Nasce então a Torah na forma de conco livros. Provavelmente, o responsável por este magnífico trabalho foi Esdras, porque era considerado "secretário da Lei do Deus do Céu" (Esd 7,12). O Rei Persa, Artaxerxes II, em 398aC, incumbiu Esdras de faze um Estatuto para os judeus, tando aos que tinham voltado do Exílio como aqueles que tinham permanecido no País.
TRADIÇÃO JAVISTA
- J -
As primeiras obras literárias sobre a história de Israel aparecem no Século X.
O grande personagem deste século foi David, ungido rei em Hebron, por volta de 1010 e reconhecido como tal pelas tribos do sul - Judá (2Sm 2,1-4). Ele reinou sete anos e seis meses (2Sm 2,11; 5,5) e foi neste período que algumas tradições foram colocadas por escrito, nascendo assim o Documento Javista.
David era um homem de habilidade política inigualável. Tal habilidade o fez rei também do Reino do Norte - Israel (2Sm 5,1-4). David conseguiu manter uma espécie de "reino-unido" que perdurou até o fim do reinado de seu filho Salomão.
David conquista Jerusalém, que está situada entre Judá e Israel, e a transforma na Capital do Reino (2Sm 5,6-9), reinando nela 33 anos (2Sm 5,5) e Salomão reina durante 40 anos (de 972 a 933).
David desenvolveu uma política de conquistas e foi transformando muitos povos estrangeiros em vassalos: filisteus, cananeus, amonitas, jebuseus, moabitas, arameus entre outros.
Salomão, quando herdou o reino, procurou organizá-lo, estruturá-lo e desenvolvê-lo comercialmente.
Todo este universalismo tem o seu ponto negativo: o sincretismo. O culto a YaHWeH, sem dúvida nenhuma, foi sofrendo algumas mudanças estruturais, às vezes, até imperceptíveis, ao longo dos anos, por inculturações religiosas dos outros povos pagãos.
David construiu para si um enorme palácio, copiando os reis pagãos da época: da mesma maneira, ele quis construir um Templo para YaHWeH, copiando também os cananeus, no entanto, esta idéia foi rejeitada pelo povo através do Profeta Natã (2Sm7).
A idéia de "prender" "Deus num Templo" dá a impressão de um Deus estático, passivo, parado, preso, controlado pelos homens; por isso, há uma luta para manter a liberdade de Deus - de um Deus que guiou seu povo e que pode continuar a guiá-lo, se não for um prisioneiro.
Este é o contexto histórico do Século X, dominado pela figura imperativa do Rei David.
* * *
O Documento Javista começa em Gn 2,4b e termina com a narração de Balaão (Nm 22; 24), incluindo a narração da falta de Israel em Baal-Fegor (Nm 25,1-5). Os textos que constituem o Documento Javista devem ser procurados entre Gn 2,4b e Nm 25.
Deus chamado de YaHWeH (Gn 4,26; Ex 3,14; 20,2-3; Dt 5,6-7).
Sabe-se que o Documento Javista apareceu na segunda metade do reinado de Salomão (mais ou menos por volta de 950). Seu autor é um judeu que conhece o processo da instituição da monarquia e sua ideologia.
Exatamente durante o reinado de Salomão, em Judá, que a Tradição Javista compõe sua obra.
Quando analisamos os textos, percebemos que estamos diante de uma obra original, cujo autor soube organizar e completar uma Tradição mais antiga.
O Texto-Chave do Documento Javista é Gn 12,1-3 e a Palavra Chave é Bênção.
Deus ordena que Abraão saia de sua terra, do meio de seus parentes e vá para um lugar que Ele mesmo mostraria. Abraão obedece sem questionar, porque a "promessa de Deus" domina tudo.
A palavra povo, em hebraico, designa laços de parentesco entre os membros de um grupo. Deus promete que faria de Abraão uma grande nação. Ser nação significa que este povo vai ter um território e vai ser politicamente organizado.
Notamos que os Documentos Javista e Sacerdotal estão entrelaçados nos onze primeiros capítulos de Gênesis.
O ciclo das origens vai de Gn 2-11 e tem seu ápice na narração da Torre de Babel etermina relatando a confusão das línguas e a dispersão dos povos sobre toda a terra. Gn 12,1-3 não é considerado somente a conclusão, mas também a verdadeira chave desse ciclo.
À bênção, cinco vezes mencionada em Gn 12,1-3, corresponde a maldição cinco vezes mencionada em Gn 2-11 (Gn 3,14.17; 4,11; 5,29; 9,25), onde são amaldiçoados: a serpente, o solo, Caim e Canaã.
O ciclo das Origens é o da maldição, portanto, o ciclo do pecado.
O ciclo patriarcal vai de Gn 12-36, onde encontramos as narrações sobre Abraão, Isaque e Jacó/Israel. Neste ciclo, o texto de Gn 12,1-3 é repetido duas vezes: Gn 18,18; 28,14.
O ciclo de Abraão notamos o sinal da bênção, quando ele entrega para Lót a melhor parte da terra. Abraão foi abençoado por Deus, tornou-se rico e próspero. Além disso, Abraão torna-se bênção para seu sobrinho ao lhe entregar a "Planície do Jordão".
Dentro deste ciclo também vemos que há lugar para a maldição de Deus: Abraão mente para o faraó dizendo que Sara é sua irmã, quando, na verdade, era sua esposa. Deus cobre com maldição o faraó e todo o Egito.
Estudando o ciclo de Isaque vemos que Abimelek, rei dos filisteus, reconhece a bênção de Deus que está sobre Isaque. Este é símbolo da bênção, porque é descendente de Abraão.
O ciclo de Jacó mostra que Jacó herdou a bênção de Isaque através de um ritual de bênção. Jacó obtém a bênção de Isaque enganando-o e fazendo-se passar por Esaú. Este ciclo mostra o aspecto de transferência de bênção de um povo a outro.
A bênção chega aos arameus (Labão) por intermédio de Jacó. A bênção de Deus deve alcançar os povos vizinhos pela promessa que Ele fez aos Patriarcas.
O papel da bênção é fundamental dentro da Tradição Javista
Quando nos debruçamos sobre a história de José (Gn 37-50), notamos que ele também foi uma bênção aonde quer que tenha andado. A bênção de Deus alcançou até o Egito através da pessoa de José. Deus está disposto a derramar suas bênçãos sobre todos que reconhecerem a ação de Israel.
Até mesmo na saída do Egito (Ex 1-17), vemos que isto acontece: se o faraó tivesse reconhecido a ação de Israel, Deus não teria mandado as pragas, que na Tradição Javista são 7, a saber: a água transformada em sangue (7,14-18.21a.24-25); as rãs (7,26-27; 8,4-5a.6.7a.8.9-11a); os mosquitos (8,16-28, exceto 18b); a peste dos animais (9,1-7); a chuva de pedras (9,13.17.18.23b.24b.25b.26.28-29.33-34); os gafanhotos (10,1a.3-11.13b14-19) e a morte dos primogênitos (11,4-7a.8b; 12,29-30).
Desta forma, Moisés torna-se sinal da bênção de Deus. De uma maneira bem clara vemos isto no Sinai/Horeb: o acontecimento sinaítico simboliza o derramamento das bênçãos de Deus sobre o povo de Israel.
Balaque, rei de Moab, procura o vidente Balaão para conseguir a maldição sobre Israel, entretanto, o vidente não pôde retirar a bênção de Deus que estava sobre o povo.
Mesmo para Israel receber a bênção de Deus, é preciso comprometer-se diante de Deus.
* * *
Concluindo, para ficar bem gravado, quero frisar que a palavra-chave da Tradição Javista é bênção e o texto-chave é Gn 12,1-3.
A temática da Bênção perpassa todos os textos da Tradição Javista, como vimos até aqui.
Quanto ao estudo do Javismo, centralizamos nossa atenção na Promessa de Deus a Abraão em Gn 12,1-3. Esta Promessa se estende, sem dúvida, na aliança de Isaque com o rei dos filiteus, na astúcia de Jacó junto de Labão, o arameu, na missão de José do Egito.
Vimos que o Século X é o século do Rei David, e Gn 12,1-3 se estende também a David e a todo o seu Império.
Podemos fazer uma leitura cristã e até mesmo Cristológica do Documento Javista: Abraão e Moisés prefiguram o Rei David, enquanto Israel espera por um "Novo David", que, para os cristãos, é Jesus Cristo.
TRADIÇÃO ELOÍSTA
- E -
O reino unido de David e Salomão, com a morte deste último em 933, divide-se em Reino do Norte e Reino do Sul.
No Século IX, os reis, suas famílias e seus funcionários começam a se distanciar de YaHWeH. Jezabel, segundo 1Rs 18,19, sustenta 450 profetas de Baal. O povo corria perigo de acompanhar o rei e de prestar culto a YaHWeH e a Baal ao mesmo tempo (1Rs 18,21).
O Documento Eloísta começa com um texto composto, ou seja, não é um texto elísta puro - Gn 15 - Ciclo de Abraão. O primeiro texto eloísta puro está em Gn 20.
O fim do documento não é fácil de ser identificado, pois encontramos ainda fragmentos dele em Nm 25 e 32.
A redação eloísta foi feita no Reino do Norte, bem depois da divisão dos Reinos de Judá e de Israel.
A presença de Deus acontece através dos seus enviados: os homens de Deus, como Moisés ou Abraão ou os Profetas, como Elias, Eliseu, Oséias...
Nesta Tradição, Deus é chamado, inicialmente, como ELOHIM (Ex 3,6.9-15. No v. 15, Deus se apresenta como YaHWeH). Elohim era o nome usado para as divindades não israelitas.
Podemos situar a redação do Dcumento Eloísta na primeira metade do Século VIII aC e a palavra-chave dele é temor de Deus.
No ciclo de Abraão notamos: Abimelek é rei dos filisteus, enquanto Abraão é considerado profeta, portanto representa Israel. Surge um conflito entre os dois, provocado por uma afirmação de Abraão, que aponta Sara como sua irmã. Isto gera um problema moral entre povos que não têm a mesma fé. A intenção da Lei é incutir o temor de Deus no coração de todos os povos. A situação de Abraão é humilhante, haja visto o fato de ter que pedir perdão a Abimelek por ter duvidado que ele, apesar de não ser israelita, tenha o temor de Deus.
Naamã, rei de Arã, foi curado da lepra, apesar de ser inimigo de Israel, foi procurar a cura em Samaria e alcançou a cura por causa do temor de Deus. Apesar de Naamã ser rei, ele reconhece o poder de curar do "nabi" - profeta.
Da mesma forma, Abimelek, que tem o temor de Deus, deve reconhecer que o "profeta" Abraão é importante, porque é o único que pode interceder por sua cura (Gn 20,17).
Vemos que a questão do temor é um tanto complexa, pois até mesmo entre os não judeus pode existir este temor.
Temor de Deus designa a obediência às normas morais, que tem como guardiã a divindade, e que deve ser observada tanto por judeus como por não-judeus.
Abraão aparece aqui como alguém que se submete totalmente a Deus.
No ciclo de Jacó vemos muito forte também a temática do temor de Deus. Este tema é uma nota característica do eloísta. Pertencem à Tradição Eloísta também a estada de Jacó em Maanaim (Gn 32,2-3), o envio de presentes a Esaú (32,14b-22); elementos de combate a Jaboque (32,24.25a.26b.30a.31-32). Jacó chega a Siquém (33,19-20); e vai a Betel (35,1-4.14-15), onde nasce Benjamim (35,16-20).
Estudando a história de José do Egito vemos também muito forte a presença do temor de Deus: o próprio José disse que temia a Deus (Gn 42,18b). Aqui poderíamos acrescentar ao temor de Deus o tema da Salvação.
O Documento Eloísta constitui uma aproximação para uma leitura cristã da redenção
No que concerne à pessoa de Moisés vemos que o temor de Deus paira até mesmo antes do seu nascimento. As parteiras, temendo a Deus, não entregaram Moisés ao faraó. A obediência a Deus aqui passa pela obediência ao faraó, por isto as parteiras foram abençoadas por Deus.
Esta Tradição fala apenas de cinco pragas: a água transformada em sangue (7,15b.17b.20b.24); a chuva de pedras (9,22-23a.24a.25a.27b.31-32.35a); os gafanhotos (10,12b.14a.15), as trevas (10,21-23.27), os primogênitos (4,23), que é associada à partida dos israelitas e à Pascoa.
No acontecimento do Sinai/Horeb, Moisés é visto como um grande profeta e a Lei de Deus vai incutir no povo o temor de Deus. A ausência do temor de Deus é chamada de "pecado", questão do temor a Deus: aqui nesta relação entra a Arca.
O Decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-18) e o Código da Aliança (Ex 20,22-23,19). O primeiro texto é um texto vivo, marcado pelo uso no culto, o que o conservou. O Decálogo é qualificado como moral porque interpela o homem a respeito de suas atitudes para com Deus e o próximo.
O segundo texto recebe o nome de Código da Aliança por causa de Ex 24,3-5, onde Moisés lê ao povo o "Livro da Aliança".
Podemos reconhecer uma certa ordem neste código:
a) em todo lugar que Deus se manifestar deve ser erigido um altar a Deus;
b) nota-se que muitas sentenças começam por "Se...", indicando um direito casuístico muito parecido com as Leis Mesopotâmicas;
c) vemos as prescrições litúrgicas (Ex 23,14-19).
A vida toda é apresentada como devendo ser vivida sob o olhar de Deus.
Assim, o Código se abre e se encerra com prescrições cultuais.
TRADIÇÃO SACERDOTAL
- P -
Apareceu em Jerusalém uma outra corrente judaica, que apresentou a "Lei de Santidade" (Lv 17-26), antes do Exílio, e a "História Sacerdotal" durante e após o Exílio. Uma figura muito forte nesta corrente é a pessoa do Profeta Ezequiel.
A estrutura da Lei da Santidade se aproxima da estrutura do Código Deuteronômico. Ela se abre e se fecha com prescrições cultuais (Lv 17,1-16; 26,1-2); apresenta-se como um discurso de Moisés ao povo (17,1-2) e é seguida de bênçãos e maldições (26,3-45).
Quanto ao conteúdo, o texto se preocupa com o culto e suas observâncias. Esta lei trata de uma codificação de costumes e de práticas ligadas ao Santuário de Jerusalém e centradas no culto e na instituição sacerdotal. A Lei da Santidade se refere à santidade de Deus e à sua transcendência. Como Deus é Santo, o povo de Deus é santo (19,2).
Lv 19,2 é o versículo-chave desta corrente e as palavras-chaves são santo, santidade, aliança.
* * *
A Tradição Sacerdotal é designada pela letra P, pois vem de Priester Kodex, cuja tradução é Código Sacerdotal. A História Sacerdotal aconteceu na Babilônia, antes do final do Exílio, ou seja, antes de 538.
Em 587 o rei da Babilônia, Nabucodonozor, toma Jerusalém e deporta seus habitantes. Só conseguimos entender a História Sacerdotal quando compreendermos a relação com o choque produzido pela queda de Jerusalém e pelo Exílio. Os exilados estavam numa situação desastrosa: seu rei estava preso, o templo estava destruído, a terra - dom de Deus estava a centenas de quilômetros de distância. Em meio a tantas tribulações, houve quem visse tudo com desânimo e descrédito; por outro lado, muitos tentaram encontrar no passado de Israel uma motivação para uma fé e uma esperança capazes de enfrentar a crise pela qual estavam passando. Este papel de animar o povo a enfrentar toda a sua tribulação coube aos sacerdotes de Jerusalém exilados em Babilônia, entre os quais Ezequiel. Assim, antes do Exílio, portanto em 538, foi elaborada a História de Israel.
A Tradição Sacerdotal insiste em mostrar sempre que aquelas pessoas pertencem a um povo e se preocupa em manter a identidade de Israel em Babilônia a fim de evitar a dissolução do povo e permitir a Deus realização de suas promessas. O sábado se torna um tempo consagrado a Deus, já que o templo não existe; a circuncisão é o sinal que o povo pertence a Deus; a Palavra de Deus desempenha a função do templo. Já que o povo está vivendo em terra estranha, os sacerdotes procurar levar o povo a compreender o desígnio de Deus. É todo um ideal teocrático que existe e os exilados procuram guardar no coração, com a ajuda dos sacerdotes, a fé em Deus e em sua lei.
Vamos desenvolver agora alguns pontos sobre as características da História Sacerdotal: os textos sacerdotais caracterizam-se pelo uso de datas tiradas do calendário sacerdotal, que não é nem monárquico e nem babilônico; os meses são designados por números e não por nomes (Gn 7,11; 8,13; Ex 16,1; Nm 1,1).
O estilo é seco, sem detalhes e é recheado pelos números, pelas enumerações, pelas listas; já o vocabulário é preciso e técnico - alguns termos são próprios de P. A preocupação com as genealogias é exacerbada e nos desconcerta, mas demonstra quais são as raízes do povo. Neste sentido dá para entender as proibições do casamento com estrangeiros, pois isto colocava o povo em perigo. Há uma inserção enorme de leis nas narrações. Estas leis ou instituições realçam os valores religiosos: lei da fecundidade (1,28), do sábado (2,3), circuncisão (17,9-14), lei sobre a Páscoa (Ex 12,1-13).
Uma grande parte das leis e das prescrições está ligada à organização do culto, à construção do santuário e às questões relativas ao sacerdócio (Ex 25-31; 35-40). A obra que os autores sacerdotais criaram não é fruto de sua imaginação, mas da reflexão sobre a tradição do passado.
Parece certo que a obra de P vai da criação até a morte de Moisés (Dt 34,7-9).
Sabemos que a História Sacerdotal está permeada de aliança. Em Gn 9, Deus faz, através de Noé, uma aliança com seu povo. A única cláusula dessa aliança é o respeito à vida e ao sangue, também no abate não sacrifical de animais e a proibição de derramar o sangue de humanos, porque o homem é imagem de Deus. É uma aliança de Salvação.
Deus também fez uma aliança com Abraão (Gn 17) e o sinal desta aliança é a circuncisão.
Uma última aliança que Deus fez e não poderíamos deixar passar foi a aliança com Moisés. No monte Sinai/Horeb, Moisés recebe as leis que têm por finalidade a construção de um santuário (Ex 25,8; 24, 15-18) e a consagração a Araão: a perspectiva é cultual e institucional. Para Israel, o sinal desta aliança é exatamente ver o santuário repleto da glória de Deus (Ex 40,24-35).
A expressão "reino de sacerdotes" mostra que o poder real está não nas mãos de um rei, mas nas mãos dos sacerdotes que dirigiam o povo de Israel.
Depois de 587, os sacerdotes sabiam que a aliança mosaica não podia mais assegurar o futuro da comunidade no Exílio. O problema de Israel é o seu pecado, a sua revolta contra Deus. Diante desta situação, o sacerdócio de Araão (Nm 17,25), torna-se o ponto mais importante. O sinal desta aliança é a vara (do hebraico mathé, que significa tribo). Este sinal foi necessário por causa da murmuração do povo que não aceitava a função de Araão.
O sacerdócio deve lembrar o povo o seu pecado e levá-lo ao perdão de YaHWeH.
Em Gn 1,28 encontramos a fórmula-chave da compreensão da mensagem de toda a Tradição Sacerdotal. Essa proclamação foi dada a um povo exilado, sem raízes, longe de sua terra e sem esperança no seu Deus. A finalidade desta fórmula é fazer o povo entender que Deus não o esqueceu, mas novamente vai lhe dar uma terra. Isto aconteceu com o Edito de Ciro, em 538, acabando assim com o Exílio, o povo pôde voltar para sua terra e reconstruir o Templo - que aconteceu em 515.
Entre os textos legislativos anteriores a P, podemos citar a lei dos sacrifícios (Lv 1-7); a lei da pureza (Lv 11-16); e as prescrições sobre as festas (Nm 28-29).
{ a) YaHWeH é igual aos deuses não israelitas: Gn 1,1;
b) a Abrão, Deus se apresenta como El Shadai. No meio de tantos, YaHWeH é o mais poderoso: Gn 17,1;
c) para Moisés, Deus se apresenta como YaHWeH - o único: Ex 6,2-7.}
TRADIÇÃO DEUTERONOMISTA
- D -
O Rei Josias reina de 640 a 609 e se torna um rei segundo o coração de Deus. Ele manda fazer restaurações no Templo de Jerusalém e durante o trabalho, Hilquias descobre um livro "Livro da Lei", que faz chegar nas mãos do rei (2Rs 22,3-10).
Há uma grande probabilidade de ter sido encontrado em 622 este magnífico Livro da Lei ou Livro da Aliança (2Rs 22-23), que deve ter sido depositado no Templo durante o reinado de Ezequias - 722. Houve durante o reinado de Ezequias um grande desenvolvimento literário: a fusão de J e E, a coleção dos Provérbios (Pr 25,1).
Em 622 houve uma celebração solene da Páscoa e a partir deste ano, o Deuteronômio primitivo serviu de lei para o povo e entrou oficialmente para o patrimônio religioso de Israel.
No Século V, Neemias usou este livro de lei para resolver uma pendência entre israelitas; no Século IV, quando foi formado o Pentateuco, o Deuteronômio foi o livro que deu o desfecho do grupo dos cinco rolos que formaram a Torah.
Dentro do Deuteronômio encontramos o Código Deuteronômico (Dt 12-26). Este código começa e termina com prescrições cultuais (12,1-16,17; 26,1-15). A estrutura deste código lembra a do Decálogo, mas é inegável que é uma compilação de leis já existentes. Por outro lado, o código não pode ser separado de seu contexto: ele faz parte de uma estrutura mais vasta que é a da aliança.
Não só o código como todo o Deuteronômio é uma reflexão sobre a infidelidade de Israel. Infidelidade que levou ao desaparecimento do Reino do Norte. O código pode simbolizar até a Salvação do povo, pois se este tivesse obedecido as leis, nada lhe teria acontecido.
Sabemos que o Código Deuteronômico foi redigido em 722, depois da queda de Samaria e provém do Reino do Norte. O Código se impôs no Reino de Judá, antes do Exílio, mas não conseguiu a adesão popular. O Reino do Norte desapareceu e o único santuário de pé é o de Jerusalém e o povo que resta é o de Judá.
O Livro do Deuteronômio se aproxima muito da estrutura dos tratados de vassalagem que estavam em uso na época. A aliança instaura uma relação entre dois grupos humanos ou entre duas pessoas.De uma aliança entre tribos, reconhecendo YaHWeH como Deus de Israel, passa-se para uma aliança entre YaHWeH e Israel.
Parece que os autores do Deuteronômio estão preocupados em manter as características principais do povo de Israel: um povo, um Deus, uma terra, uma lei, um templo...
Há a experiência original de Deus e de sua Palavra transmitida por Moisés.
Deus escolheu o seu povo do meio do povo. Essa escolha faz de Israel o povo de Deus e o torna assim responsável pela figura de Deus neste mundo. Este povo escolhido é uma comunidade estruturada que vive em uma terra e é uma assembléia convocada por Deus no Horeb (5,22; 9,10; 10,4). Esta comunidade tenta viver a fraternidade, tendo no seu meio o juiz, o rei, o sacerdote-levita, o profeta (16,18-18,22). A Lei se torna o princípio desta vida em comunidade: a Torah deve estar no coração, o Nome de YaHWeH nos lábios e um só santuário nacional constituem o ideal do Deuteronômio.
CONCLUSÃO
O Pentateuco terminou então depois da fusão dos quatro documentos: Javista (P); Eloísta (E); Sacerdotal (P); Deuteronomista (D). Entre 722 e 700, houve a fusão dos dois documentos J-E. No final do Exílio, J-E juntam-se ao Documento Sacerdotal (P). Por fim, o Documento Deuteronomista (D) encontrado no tempo de Ezequias, por volta de 716-687, junta-se ao processo formando a Torah.
A formação dos textos do Pentateuco é magnífica. Escrita por vários autores. No decorrer de vários séculos. Nota-se que são portadores de uma Tradição viva.
Torna-se claro que a estruturação do Pentateuco se realiza aos poucos - das origens até a morte de Moisés. A morte de Moisés vem mostrar que o povo não deve contentar-se com o que tem, mas deve permanecer disponível para uma ação de Deus sempre imprevista.
A leitura da Torah mostra seriedade que a fé exige do homem no trato com Deus, a necessidade do perdão numa relação que constantemente está ameaçada.
Finalmente, o Pentateuco está aberto para uma leitura cristã, onde as idéias determinadas de cada documento convergem para Jesus Cristo, filho de David.
Jesus se enquadra dentro dos quesitos do rei segundo o coração de Deus, que o Javista aponta. O caminho cheio de provações e sofrimento indicado pelos Eloístas prefigura o ministério e a paixão de Cristo.
No Deuteronômio, vemos o retrato de uma comunidade unida e unânime com relação ao serviço de Deus.
O Documento Sacerdotal leva o povo a refletir sobre seus erros e o leva à reconciliação com Deus, a exemplo de Cristo - único Sacerdote capaz de reconciliar o povo definitivamente com Deus.
Pe. Cleodon Amaral de Lima
Téologo-Exegeta

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