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Dos Santos Magos está escrito que, depois de deixar para trás em Jerusalém as discussões dos sacerdotes e as intrigas de Herodes, recomeçaram com intensa alegria a seguir a estrela, encontraram o Menino e “prostrando-se, o adoraram” (Mt 2,11). Para nós, com efeito, chegou o momento de nos prostrarmos e adoarar.
Se o pecado que torna os homens “sem desculpas” é o de não reconhecer a Deus como Deus, então seu antídoto específico é únicamente a adodração, por ser reservada exclusivamente a Deus, atesta adequadamente que se reconhece a Deus “como Deus”. Na adoração é levado à expressão máxima aquilo que o Apóstolo chama “prestar glória e dar graças”, isto é, o reconhecimento e a gratidão para com Deus.
Foi no Novo Testamento – dizíamos acima – que elevou a palavra “adoração” a essa dignidade que antes não tinha. No Novo Testamento, toda vez que se tenta adorar alguém que não seja Deus em pessoa, a reação imediata é: “Não faças isto! A Deus é que se deve adorar (cf. Ap 19,10; 22,9; At 10-25-26; 14,13s). Como se, caso contrário, se incorresse num perigo mortal. A Igreja acolheu esse ensinamento, fazendo da adoração o ato por excelência do culto de latria, distinto do chamado dulia, reservado aos Santos, e da hiperdulia, reservado a Nossa Senhora. A adoração é, pois, o único ato religioso que não se pode oferecer a ninguém no universo inteiro, nem sequer à Santíssima Virgem, mas só a Deus. Disso lhe provém sua dignidade e forças únicas.
Mas em que consiste ao certo e como se manifesta a adoração? A adoração pode ser preparada por uma longa reflexão, mas termina com uma intuição e, como qualquer intuição, não têm longa duração. É como um lampejo de luz dentro da noite. Mas de uma luz especial: não tanto luz de verdade, como luz da realidade. É a percepção da grandeza, majestade, beleza e, juntamente, da bondade de Deus e de sua presença que tolhe a respiração. É uma espécie de naufrágio no oceano sem margens nem fundo da majestade divina. Mas “naufragar” é doce nesse mar”.
Uma expressão de adoração mais eficaz que qualquer palavra é o silêncio. Com efeito, ele exprime por si mesmo que a realidade supera qualquer palavra. Com que força ressoa na Bíblia a intimação: “Cale-se diante dele toda a terra!” (Hab 2,20) e: “Silêncio na presença do Senhor Deus!” (Sf 1,7). Quando “os sentidos estão envolvidos num silêncio limitado e com ajuda do silêncio envelhecem as recordações”, então só nos resta adorar.
Conforme alguns, a própria palavra “adorar” indicaria, em latim, o gesto de pôr a mão sobre a boca, como para impor a si mesmo o silêncio. Se isso for verdade, foi um gesto de adoração o de Jó, quando, ao encontrar-se sozinho face a face com o Onipotente, no fim de sua aventura, diz: “Sim, fui leviano; que te replicarei? Ponho a mão sobre minha boca” (Jó 40,4). Nesse sentido, o versículo de um salmo, depois incluído na liturgia, rezava no texto hebraico: “Para ti o silêncio é louvor”, Tibi silentium laus! (sl 65,2, texto masorético). Adorar, segundo a estupenda expressão de são Gregório Nazianzeno citada acima, significa elevar a Deus um “hino de silêncio”. Assim como, à medida que se escala uma alta montanha, o ar vai ficando rarefeito, assim à medida que nos avizinhamos de Deus a palavra deve tornar-se mais breve, até chegar, no fim, à completa mudez e unir-se em silêncio àquele que é inefável.
Se se quiser dizer alguma coisa precisamente para “prender” a mente e impedi-la de vagar em outros objetos, convém fazê-lo com a palavra mais breve que existe: Sim, Amém. De fato, adorar é consentir. É permitir que Deus seja Deus. É dizer sim a Deus como Deus e a si mesmo como criatura de Deus. E é, por isso, o remédio para desespero, que consiste precisamente, como vimos, num “recusar desesperadamente ser aquilo que se é”, isto é, dependente de Deus.
A adoração exige, pois, que se reze e se cale. Mas seria tal atitude digna de um homem? Não o humilha, ferindo sua dignidade? Ou melhor, seria ela verdadeiramente digna de Deus? Que Deus é esse, se necessita que suas criaturas se prostrem por terra diante dele e se calem? Seria talvez Deus semelhante a um desses soberanos orientais que inventaram a adoração em seu proveito? Inútil é negá-lo, a adoração comporta para as criaturas também um aspecto de radical humilhação, um se tornar pequeno, um entregar-se. Foi exatamente isso, como vimos, que obstou a que os pagãos adorassem a Deus como Deus. A adoração sempre comporta um aspecto de sacrifício, de imolação de qualquer coisa. Precisamente assim, ela atesta que Deus é Deus e que nada nem ninguém tem direito de existir diante dele, a não ser graças a ele. Com a adoração, imola-se e se sacrifica o próprio eu, a própria glória, a própria auto-suficiência. Mas essa glória é falsa e inconsistente, e desfazer-se dela é para o homem uma libertação.
Adorando, “liberta-se a verdade antes prisioneira da injustiça”. A pessoa torna-se “autêntica” no sentido mais profundo da palavra. Na adoração antecipa-se já o retorno de todas as coisas a Deus. O indivíduo abandona-se ao sentido e ao fluxo do ser. Assim como a água encontra a paz fluindo para o mar, e o pássaro, a alegria abandonando-se ao curso do vento, assim o adorador na adoração. Adorar a Deus não é pois um dever, uma obrigação, quanto um privilégio, ou melhor, uma necessidade. O homem carece de alguma coisa majestosa para amar e adorar! Ele é feito para isso. Não é, pois, Deus quem precisa de adoração, mas o homem, de adorar.
Acreditava, Kierkegaard, que “o homem, cujo corpo se ergue para o céu, é um ser que adora. Sua estatura é o sinal que o contradistingue, mas a capacidade de prostrar-se em adoração é uma característica ainda maior. A glória suprema consiste em ser nada adorando. Alguns percebem a semelhança com Deus no poder da dominação. Mas não é dominando como Deus que o homem é semelhante a Deus. A semelhança se encontra no interior de uma infinita diferença. Explico-me: o homem e Deus se assemelham em uma relação não direta, mas inversamente proporcional. Para haver semelhança entre eles é preciso que Deus se torne o objeto eterno e onipresente da adoração e que o homem se torne uma criatura incessantemente adoradora. Se o homem pretende tornar-se semelhante a Deus mediante a dominação, esquece Deus e, desaparecido Deus, brinca de soberano em sua ausência. Isto é o paganismo: a vida do homem na ausência de Deus”.
Mas a adoração deve ser livre. O que torna a adoração digna de Deus e simultaneamente digna do homem é a liberdade, entendida não só negativamente como ausência de coação, mas também positivamente como ímpeto alegre, dom espontâneo da criatura que exprime assim a alegria de não ser ela mesma Deus, para poder ter acima de si um Deus para adorar, admirar, celebrar.
Também para Deus o valor da adoração está na liberdade. “Eu mesmo sou livre, diz Deus, e criei o homem à minha imagem e semelhança... A liberdade dessa criatura é o mais belo reflexo da liberdade do criador que haja no mundo...Quando uma vez se experimentou o ser amado livremente, as submissões não têm mais gosto algum. Quando se provou o ser amado por homens livres, a prostração dos escravos não têm mais sentido algum”.
“Senhor eu não posso abster-me de amar-te; eu preciso de algo majestoso para amar. Há em minha alma a necessidade de uma majestade que nunca, nunca me cansarei de adorar”.
(Texto retirado do livro Subida ao Monte Sinai de Raniero Cantalamessa, capítulo 28, Algo Majestoso para amar, págs 165 a 169, Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1997).
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